. Nunca foi tão bom esperar...
. O Poeta é um fingidor (mo...
Hoje pensava escrever um artigo que zombava da sobre-análise. Por coincidência, hoje apareceu o José Rodrigues dos Santos a a analisar Fernando Pessoa, no programa Conversa de Escritores. Boa chalaça, provavelmente José Rodrigues dos Santos por ter escrito uns livros considera-se escritor e do outro lado surge o entrevistado escritor. Melhor que isto são as entrevistas do Mário Soares.
Então diz o Escritor entrevistador:
- Lembrei-me de um português, não sei s sabe quem foi, que escreveu um dia “O poeta é um fingidor”, ou seja, todos os sentimentos que encontramos nos seus poemas são fingidos. Ele finge, porque se realmente ele os sentisse não resultariam tão bem artisticamente como se os fingisse.
Podem ver outra análise, bem mais detalhada em Autopsicografia - análise.
Estamos a falar do poema super-comnhecido:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Ora bem, a minha análise: o poeta é alguém que joga com as palavras, de uma maneira graciosa e intrigante.
Estes analistas também jogam com as palavras, mas de uma maneira faliciosa e não graciosa.
O que é fingir, o que é sentir, o que é mentir? Lembro-me desta frase intrigante que uma vez li sobre um escritor famoso: “ele já não sabia mentir, já não sabia sentir. Qual a diferença?”. O poeta é aquele que tem a liberdade de criar, criar novos conceitos, criar até novas palavras (como aquele exemplo escolar do Luís de Camões). O poeta tem a liberdade de subverter, jogar com as coisas, confundir as pessoas.
O Analista já tem que falar uma linguagem mais directa. O problema é que o analista deseja ser artista, tem veleidades artististicas e começa a inventar como se fosse um poeta.
A análise, a critica, traz muito pedantismo.
Para mim, este poema de Fernando Pessoa só me diz uma coisa: é impossivel um escritor escrever bem sobre algo que nunca sentiu ou escrever sobre uma dor que não a experimentou de alguma forma.
Aquilo a que chamam fingir, aqui, não é mais que a sua interpretação da dor, a sua reprodução da dor. Poderiamos imaginar um violinista a transformar a sua dor em música.
Mais a mais, vejo grande ironia neste poema de Fernando Pessoa, só me resta quanta ironia em exacto ele colocou neste poema.
Pode ele ter querido apenas dizer que:
- Atenção, um poeta não é um actor. Fingimos, fingimos pois, mas à custa do nosso próprio sangue, e como senão bastasse vamos escarafunchar nas feridas para o extrair mais e outra vez.
Fernando Pessoa não deixa de mandar uma boca aos analistas, com a ultima quadra. É uma clara zombaria aos racionais (a entreter a razão) que perdem o seu tempo a analisar estas coisas da alma (Que se chama coração).
Não me admiraria nada se Fernando Pessoa ao ler estas análises, se ri-se aos solavancos. Como já aconteceu milhares de vezes com os autores.
É evidente que o escritor se baseia na sua dor. Por isso, ouvir dizer:
- Todos os sentimentos que encontramos nos seus poemas são fingidos...
É um bocado demais.
Chamava à atenção aos analistas que a sua função é esclarecer e não confundir.
É já amanhã que o Leonard Cohen dá um concerto aqui em Portugal. O Poeta vai estar cá em carne e osso, esse grandessissimo dinossauro, esse divo. O Leonardo mal canta, vai recitando poesia. É por isso que, inteligentemente, há tantos coros femininos nas canções dele. Mas o homem não precisa de cantar, não com uma voz tão aprazivel como a dele. Tem uma grande voz, mas não é um grande cantor. Ser um grande letrista e ter uma “voz doirada” podem fazer um Divo.
Não estou com grandes expectativas em relação ao seu concerto. Contando que ele tem já uns 73 anos e há uns anos que não faz algo de novo que me entusiasme. O Ultimo album foi lançado em 2005. O aborrecido “Dear Heather”.
Em 2001 havia lançado o “Ten new songs” (o titulo diz tudo). Porém, há uma pérola nessas 10 novas canções – “A Thousand Kisses Deep”, cujo poema deve ter sido escrito muitos antes do nascimento da música.
Espero um Leonard Cohen sorumbático, com uma voz super-degrada pelo tabaco e wiskie, tão abafada que nem se vão perceber as palavras. E espero que há terceira canção, ele desista:
- Peço desculpa, acho que vou para o hotel. Estou cansado, este Jet lag dá cabo de mim.
E pronto, abandona o palco, na boa, naturalmente, como senão houvesse problema nenhum.
Vou ao concerto, só para poder dizer:
- Estive a 60 metros do Leonard Cohen…
I’m Your Fan.
Só me apetece ouvir esta canção tão triste como bela:
“- Tu que tens, ó D. Fernando,
que andas tão triste na guerra?
Ou te morreu pai ou mãe,
ou gente da tua terra.
- Nem me morreu pai, nem mãe,
nem gente da minha terra:
ando triste pela amada,
deixei-a e vim prá guerra.
- Aparelha o teu cavalo,
sete anos te dou de espera;
ó cabo de sete anos,
soldado, voltas da guerra.
- A tua amada é morta,
é morta, eu bem na vi;
- Dá-me os sinais que levava,
pra eu me fintar em ti.
A saia era de seda,
b(e)lusa de carmesim,
o cinto que a apertava
era d'ouro e marfim.
- Eu vendia o meu cavalo,
vendia-me também a mim,
pra mandar dizer de missas,
tudo por alma de ti;
- Nem vendas o teu cavalo
e não te vendas a ti:
quanto mais bem me fizeres
mais pena se mete em mim.
As três filhas que nós tinhamos
leva- as pra junto de ti,
que não se percam por homens
como m'eu me perdi por ti.”
Andei longos anos a pensar que o amor poderia ser assim, ou eu poderia amar assim.